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segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Resenhando Com Douglas - Olho de Boto

Ficha Técnica:

Olho de Boto / Salomão Larêdo. São Paulo: Empíreo, 2015. 271p.

O Autor:

Salomão Larêdo, segundo o site Wikipédia, nasceu no dia 23 de abril de 1949, em Cametá. É advogado, jornalista, poeta, cronista, e romancista. Olho de Boto é o seu 40º título publicado.



Resenhando com Douglas:

Há aproximadamente dois anos, na livraria Fox, em Belém, observava eu que numa mesinha, localizada ao lado direito, próxima à entrada da loja, figurava, entre outros autores paraenses, um livro de Salomão Larêdo - a mesa, após dois anos, continua no mesmo lugar. Era como se em meus olhos houvesse caído uma gotinha de super bonder. Grudou-me à vista o “Olho de Boto”.

Passei tempos torcendo a boca e o nariz para a literatura paraense – e considerava-me um leitor “culto” (sic); eu não passava de um “rapsodo Íon”, das Hípias menor de Platão. Pois bem, o ano de 2015 foi o crucial momento em que dei ouvidos às colocações de Sócrates “Você é hábil só em Homero, ou também em Hesíodo e Arquíloco?”. Que “puta” colocação. Eu, até aquele momento do dia, considerava-me um cara que “conhecia” a literatura brasileira” – pobre de mim, não conhecia nem a atendente da padaria da esquina de casa.

Abri então os olhos para o livro convidando-me a folheá-lo - gosto deste verbo: F-O-L-H-E-A-R. Aproximei-me, ainda com o “espírito machadiano” no meu cangote, e mirei o livro. Observei a capa: uma sombra de pernas afundando no que me parecia ser um rio; um tom avermelhado “chuviscoso” finalizava a arte. Muito me lembrou uma TV de 14” que tínhamos em casa... vermelho “chuviscoso”, aquilo era uma pessoa mergulhando num rio dentro de uma TV, pensei.

Vi que o “espírito shakespeariano” – sim, o de Machado fora embora no momento em que direcionei-me à mesa -, incitava-me agora a “escutar” a “orelha” do livro, dado o contato desconfiado com a capa. “Salomão Laredo é autor de diversas obras...”. Minha barba virava aos poucos um gato roçado por minhas mãos. Deslizei os dedos no bigode e continuei a ouvir a “orelha” do livro: “Olho de Boto é a quadragésima obra publicada pelo autor, que já recebeu prêmios por todo o país, incluindo o Monteiro Lobato da União Brasileira de Escritores, pelo livro Sarrabulho”. Deeeus do céu, pensei comigo. O cara, não contente em estar P-U-B-L-I-C-A-N-D-O o seu Q-U-A-D-R-A-G-É-S-I-M-O livro é ainda um autor premiado por todo o país. Naquele instante os “espíritos” esvoaçaram. Em verdade vos digo que esvoaçou a minha estupidez – constatei, tempo depois, que nem Machado, nem Shakespeare, menosprezaram as letras e a literatura, o importante era o exercício da palavra; baita idiota de nariz em pé que eu fora.

Trouxe o livro para casa. Dediquei-lhe um bom lugar em minha prateleira. Acomodei-o junto aos livros de Mia Couto, Jorge Amado, Gabriel Garcia Marquez, George Orwell, etc. Iniciava ali, naquele 2015, a minha dedicação em conhecer a literatura paraense – hoje, ao lado de Salomão Larêdo, repousam também Dalcídio Jurandir, Juraci Siqueira, Lindanor Celina, Alfredo Oliveira, Haroldo Maranhão, etc.

Passados quase dois anos, li o livro. Tirei-o da prateleira e passei-lhe a mão. Li, cui-da-do-sa-men-te, para que entendesse o que Larêdo queria dizer-me com seu livro. Olho de Boto – aí entra aquela parte chata que todos os sites fazem-, conta a história de uma relação homo afetiva vivida em Cametá, cidade da região nordeste paraense. Basta-se o livro aí? Contar uma história homo afetiva, tema atual e debatido no seio da sociedade civil e intelectual, basta-se por si só? Talvez, para alguns, a resposta seja simplesmente SIM. Todavia, nesta obra de Salomão Larêdo o tema LBGT não esgota-se como um tema de jornal.

Por falar em jornal, no livro, Larêdo cita:
“FOLHA VESPERTINA
Diretor: Clóvis Maranhão
Gerente: João Maranhão
Belém/Pará – Quinta feira 28 de dezembro de 1967
Dois homens se casam, em Cametá”.

        Costumo dizer que quem quiser saber mais do livro, por gentileza dirigir-se à livraria mais próxima para comprar o exemplar. Este não é um site de resumos – acho que devo fazer disso meu slogan.

      Abrindo um parêntese: A Folha do Norte foi um dos principais jornais brasileiros do século 20, e o principal jornal do Norte; fecha parêntese.

     Imaginemos uma região, como a região amazônica, lidando com um tema sensível como este. Penso comigo: os homens “urbanos” ainda fecham-se em seus casulos morais, o que dirá uma região distanciada dos debates cívicos e morais do século 21.

      Larêdo não atem-se ao debate por debate. O discurso construído no texto, tanto o direto (o discurso do personagem) quanto o indireto (discurso do narrador), é elaborado dentro de uma elegante oralidade. Que fique aqui esclarecido que não sou um crítico literário “profissional”, nem o desejo ser, porém, sou um leitor apaixonado por literatura, e é isso que move o mundo literário, alcançar, através da escrita, o leitor que se propõe contemplar a obra impressa no papel.
Olho de Boto inicia com uma paródia. Queres saber, colega leitor, a paródia? Pois bem, ei-la:

JULGAMENTO

“Do correspondente e enviado especial – um, dois, três, gravando.
A comunidade – índios, caboclos, roceiros, ribeirinhos, remeiros, lavradores-, reunida no meio do campo de futebol observa, quieta, muda, medrosa, sem voz, sem vez, pasma!
Leitor: proclamação do texto do julgamento, segundo o juiz da saúde:
Ponciano perguntou: Quem és tu?
Uma mulher!
Ponciano perguntou: Que farei com isto que se diz mulher?
E a turba, orientada, conduzida, contratada pelos representantes dos mandachuva, dos pica-grossas, das classes conservadoras, das autoridades, dos graúdos, dos que detêm o poder e que compunham o conselho de sentença, dizia: Que leve uma grande pisa! Que seja castigado! Dá um banho de urtiga braba pra nunca mais ele vir com graça.
Ponciano bem sabia que eles o haviam entregado por inveja. E enquanto estava sentado no tribunal, sua mulher Marquesa mandou dizer a ele: Não te envolvas com esse caso nem com essa turba, porque esta noite, em sonho, sofri muito por causa dessa gente.
Ponciano falou: Que mal te fez?
A turba gritava com mais força: É Luziário! Luziário!
[...]
Ponciano disse-lhes:
Eis o homem!
Quando viram o indiciado, os contratados pelos representantes dos mandachuvas e os representantes dos pica-grossas gritaram:
Não é homem, é mulher!
Ponciano, para não irritá-los, levantou e procedeu do mesmo modo:
Eis a mulher!
[...]
Não sou responsável pelo sangue deste que se diz homem, digo, mulher. A responsabilidade é de vocês!
Então Ponciano soltou Bacabas que mofava no cercado, cismado de andar com sua mulher, e mandou dar uma pisa no acusado.
A turba exigia ao crime castigo”.

     Dada a citação das primeiras páginas do livro, esclareço – pretensiosamente (agora são outros espíritos os que me pousam no cangote – talvez um espírito saussuriano), que paródia é um gênero textual e trata-se de uma imitação, engraçada ou não, de uma composição anterior, seja ela obra de arte, música, texto literário, etc. E é evidente a paródia, no capítulo que citei, ao julgamento de Jesus Cristo. Percebamos a riqueza do texto e a construção dos crimes.

A turba, índios, ribeirinhos, caboclos, roceiros, etc, supõe um grupo de pessoas excluídas de alguma informação, e sim, em se tratando de Amazônia, essa turba é deveras excluída dos debates pós-modernos das grandes metrópoles. O crime? Ser uma mulher no corpo de um homem? Colega leitor, cada um enxerga o crime que quiser, mas que fique entendido que Larêdo tem sua visão, ele o narrador, consulte-o, leia-o. A mim, parece-me muito bem claro a construção vero-ficciosa de um debate que transcende o tempo. Não há culpa na identidade de gênero e no amor.

        Bem, poderia me alongar escrevendo páginas e páginas sobre cada capítulo deste livro, Olho de Boto, mas saibam, não sou fofoqueiro, não sou X9... deixo com vocês, e com quem mais quiser, a missão de arrumar um espaço na sua estante e no seu tempo para divertir-se com a leitura de Larêdo e a reflexão do pensamento sobre tal assunto romanceado.

      O quadragésimo livro já foi, agora que venha o trigésimo nono, oitavo, sétimo...

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