II - Doem-me as
noites
Caem as noites em
mim, as nuvens que rondam lá fora tolhem-me os sonhos, os gritos pensados e
sonhados mesclam-se entre a minha solidão e a multidão que me habita, sonho o
branco, a luz, no negro que me ladeia, na cadeira, na candeia que se agita na
brisa que me entra pelas portas não calafetadas. O luar, a visão e memória
desse ser noturno que me incendeia, povoa a mente, que me desmente, nos mitos e
desejos contidos de ferocidade, ferve-me o sangue, treme-me o corpo, não no
feitiço da lua, mas na imagem de teu corpo distante e longínquo no passado. Não
me entristeço no pensamento de um passado, mas na ausência de pensar em mim um
futuro, na incerteza de existir em mim um presente, e lá fora, bem fora de mim
uma certeza, o vento sopra, sinto-o, ouço-o, vejo a sua força e atos, e
incomoda-me, nem que seja pelos ramos da laranjeira que se precipitam contra a
vidraça da janela do meu horrível quarto, conspurcado pela minha mera presença.
A noite, onde se agitam sombras, abarca meio mundo no desespero, na doce
esperança, que nada é efetivamente permanente, hoje doem-me as noites, onde
ontem sorriam as palavra que ecoavam nas paredes deste leito, hoje vazio de ti.
Caio no silêncio do meu sonho, amanhã, amanhã o sol ira nascer, acalento em mim
essa doce esperança, hoje não, amanhã, as flores voltaram a sorrir!
Sírio de Andrade
Textos dispersos II
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