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sexta-feira, 13 de junho de 2014

Incertezas do Amor - Capítulo 5


BIANCA

Estou em casa e já indo comprar o meu almoço, quando meu celular toca. Olho no visor e vejo que é dona Maria. Atendo e ela me convida para almoçar em sua casa. Tento argumentar, mas ela praticamente me intima e não posso negar, acabo aceitando. Resolvo vestir um vestidinho básico, justinho em cima e soltinho em baixo, coloco uma sapatilha, deixo o meu cabelo solto e já estou pronta.

Chegando lá, eu sou recebida por uma garotinha especial. Ela tem os cabelos loiros, olhos azuis-intensos, magrinha - parecia uma boneca. Percebo que é portadora da síndrome de Down, mas ainda é muito linda. Fico impressionada por sua beleza. Ela lembra-me alguém, mas no momento não consigo lembrar.

Muito curiosa, ela chega e fica me olhando, então eu falo:

- Oi, princesa, meu nome é Bianca, e o seu? – ela fica me olhando durante uns 2 minutos e quando eu começo a ficar sem graça pelo vácuo, ela responde:

- Lily. - e ela aponta para mim. - Munita. – com um sorriso lindo.

Eu sorrio.

- Obrigada, princesa, você é que é linda! – passo a mão em seus cabelos e ela sorri puxa a minha mão pra baixo e entendo que ela quer que eu abaixe. Faço o que ela quer e me surpreendo quando Lily faz a mesma coisa comigo, alisando o meu cabelo. Fico sem reação e nesse momento, dona Maria chega me dando um abraço e fazendo a maior festa. Lily sai correndo chamando “tio Buninho” e dona Maria me conta que ela é sua neta. “Todas as crianças do bairro são netas dela”, penso divertida.

Entro na sala e Bruno, sentado no sofá, me cumprimenta.

- Oi, Bia, que bom que você veio.

- Ah, para vai, você já me tolera a semana toda. - brinco.

- Que nada! Posso te fazer um comentário indiscreto? – pergunta ele divertido.

- Você falando algo indiscreto? Estou ansiosa por isso. – finjo um espanto e ele sorri.

- Você está parecendo uma menininha com esse vestido, nem parece aquela mulher séria que trabalha para mim.
Dou um soco fraco em seu braço e simulo estar ofendida, fazendo um biquinho.

 - Hum, espertinho, quer dizer que eu fico parecendo uma velha no trabalho, é? – ergo uma sobrancelha.

Ele cora e passa a mão pela cabeça.

- Bia, me desculpe, eu... não queria te chatear... Eu...

Não aguento e começo a gargalhar.

Ele finge estar emburrado, mas depois cede, começando a sorrir.

- Sua diabinha, me enganou direitinho! – ele se levanta - Estava com saudades de brincar com você.
- Ah, o tio Buninho tá carente? Não se preocupe, seu bobo, além de meu chefe, você foi o meu primeiro amigo aqui em São Paulo, lembra?

 - Claro. - ele me olha pensativo - Como se fosse hoje...

Começamos a recordar as boas lembranças e noto a ausência de Pablo, mas não faço qualquer pergunta sobre. Só então, me lembro do telefonema que ele recebeu. “Deve estar lá-não-sei-onde iludindo a coitada do telefone” - julgo. Eu e Bruno conversamos até o almoço ficar pronto e quando sua mãe nos chama, vamos para a cozinha.

Lily simplesmente gruda em mim, senta ao meu lado na hora do almoço e almoçamos estrogonofe, arroz, salada e batata-frita. Damos muitas risadas com suas caras e bocas. Depois do almoço fomos para o quintal, tinha uma tenda grande, com mesas e cadeiras. Mas o que me chama atenção é um tapete muito macio com muitos bichinhos de pelúcia, bonecas, um fogãozinho, uma pia, almofadas coloridas. Tinham brinquedos para umas dez crianças.

- Nossa, isso é... – fico gesticulando com os braços tentando achar uma resposta coerente.

- Um exagero. - Dona Maria me corta - Mas se o se o pai dela quer... – dá de ombros e vira-se para mim. – Bia, tenho que admitir, - diz sussurrando - eu também não resisto, sempre que vejo alguma coisa de criança, eu compro. Mas, não sou só eu não, - ela sorri - o Bruno também é assim... ou pior ainda. – ela aponta um dedo em direção a ele, que chega com a Lily nas costas brincando de “cavalinho”.

- Fazer o que, se minha nobre princesa Lily merece? – ele diz tirando a meninas das costas – Compro tudo e mais um pouco - ele faz cócegas nela.

Ela consegue se livrar e vem ao meu encontro.

- Tia Bia, blincar? - os olhinhos brilhando.

- Princesa, a tia não sabe brincar. - faço um biquinho e ela sorri.

- Blincar, blincar, blincar - diz ela pulando.

Olho para dona Maria que sorri.

- Ela está usando a mesma tática que usa sempre conosco, Bruno. – ela diz, olhando para a Lily.
- Que tática? – pergunto confusa.

- O tormento. – Bruno revela. Franzo minha testa enquanto Lily continua pulando e pedindo. – Ela nos atormenta até brincarmos com ela. – ele acrescenta sorrindo, na verdade gargalhando da minha expressão.

– Certo, Lily, eu blinco. - levanto as mãos em rendição e dona Maria e Bruno gargalham ainda mais.
Lily sai saltitando de alegria e traz bonecas e bichinhos de pelúcia que queria. Fico um pouco sem saber o que fazer, mas acho que ela gosta porque sorri da minha falta de jeito. Eu simplesmente gostei de brincar com ela, me senti uma pessoa leve. A noite foi chegando e quando mencionei ir embora, todos protestam. Acabei ficando.

Dona Maria me pede para fazer uma sopinha para a Lily batendo tudo no liquidificador (pois ela tem dificuldade para mastigar), enquanto ela lhe dá banho. Faço a sopa e uns 20 minutos depois a Lily desce com um pijaminha rosa, pantufinhas também rosas e uma boneca pendurada no braço. Dona Maria lhe dá a sopinha com uma paciência que eu admiro e, depois que termina, Lily pula no meu colo. De uma hora para outra, eu viro “titia Bia”. Brinco com ela e quando vejo-a bocejando, “sua vovó Malia” dizendo que a festa acabou e está na hora dela dormir.  Ela protesta, faz uma pouco de birra, mas acaba cedendo. Pede que eu lhe conte uma história, fico meia sem jeito, mas resolvo contar.

Ela parece animada, sento-a na cama, tiro suas pantufas, e quando eu menos espero, ela me abraça. Um abraço cheio de amor e ternura, sem segundas intenções; apenas pureza, carinho e inocência de criança. Passo a mão em seus cabelos loirinhos e sinto seu cheiro, ela me solta e deita em sua cama e sento-me ao seu lado. Começo a contar a história da Cinderela sua “plincesa favolita” e vinte minutos depois, ela dorme. Dou-lhe um beijinho na testa e saio do quarto sem fazer barulho.

Passo pela sala e – não encontrando dona Maria - vou para a cozinha.  Vejo-a cortando uns legumes, e quando ela me vê, sorri e fala:

- Bia, fica para o jantar, preciso ter uma conversa com você.

 Minha curiosidade cresce e aceno coma cabeça, afirmando.

Ela faz salada verde – que eu tentei ajudar a fazer, mas ela não deixa - e fica uma delícia. Comemos, depois pegamos uma taça de vinho e sentamos no sofá da sala.

- Minha filha, - ela começa - você deve estar cheia de dúvidas. – Abro a boca para responder e fecho de novo quando vejo que ela não terminou. - Mas antes só quero que você me escute, está bem? - Respondo que sim e ela continua: - Bom, a Lily tem síndrome de Down, como você já deve ter percebido.... Ela foi diagnosticada em um grau leve, porém, ela precisa de cuidados extras, médicos especializados, enfim: um verdadeiro batalhão para cuidar das suas necessidades especiais. – Tento dizer algo, mas ela prossegue. – Mas, tudo vale a pena quando olhamos para ela. Lily consegue desenvolver seus sentidos quase como uma criança sem a síndrome. Ela é muito carinhosa e se apega muito fácil às pessoas, você teve a prova disso.

- Mas, e sua família? – indago curiosa.

- O seu pai é viúvo, mas cuida dela com muito amor e carinho. – ela olha bem para mim e muda o tom, os olhos semicerrados. - O que você achou dela?

Fico surpresa com sua pergunta bastante direta.

- A senhora me conhece. – começo - Quando cheguei, tomei um susto muito grande. Porém, a Lily é uma criança muito doce, meiga e carinhosa. Ela me encantou com seu jeitinho natural de ser.

Ela pega minha mão afetuosamente.

- A Lily é uma guerreira, Bia. Ela teve que aprender a se superar antes mesmo de nascer. – ela solta minha mão e se levanta do sofá. - Bom, isso é história para outro dia. – ela fala com um meio sorriso – Bia, ela irá passar uns dias aqui. Seu pai está precisando de ajuda. Ele é pai solteiro, sabe? Tadinho...  – e suspira.

Fico curiosa para saber quem é esse “pai misterioso”, mas me limito a dizer:

- Hum, entendo...

Ela sorri e comenta:

- Está certo, minha filha, qualquer dia desses iremos ao shopping com a Lily, em um final de semana para tomar um sorvete. O que achas?

- Eu adoraria! – sorrio - Domingo a tarde está bom para a senhora?

- Está ótimo! Ela vai adorar sair com a “tia Bia”. - Gargalhamos baixinho para não acordar “minha soblinha” e combinamos tudo.

Dou-lhe um abraço apetado e um beijo na bochecha e vou embora para casa, com uma dúvida me corroendo por dentro: Afinal quem será o pai misterioso da Lily?

**********

Entro no elevador do prédio onde moro e, na sala de recepção, dona Filó, uma senhora muito simpática – e fofoqueira - me cumprimenta.

 - Oi, Bianca, boa tarde!

Dou um sorriso amarelo.

- Boa tarde, dona Filó.

- Quanto tempo, menina, você anda trabalhando muito ultimamente. Quase não tem tempo para conversar com as amigas. Vive correndo.

Amigas? Sério? Alguém dá um chá de semancol para ela, por favor?

– É... eu ando trabalhando muito mesmo, dona Filó.

 Ela sorri, com os olhos brilhando para mexericar.

- Mas mudando de assunto... – ela continua. “Hora da fofoca”- eu aposto em silêncio. - Você está sabendo que venderam um apartamento no seu andar? - Balaço a cabeça negando e ela continua. - Dizem que é um homem pai solteiro, muito bonito, mas o problema é a filha dele: ela tem necessidades especiais. Como é que chamam mesmo? – ela pensa um pouco - Mongóloide. – ela sussurra a palavra.

- O nome é Síndrome de Down! – defendo furiosa – Isso é...

Não chego a terminar a frase, ela me interrompe.

- Eu não sabia o nome, querida. - diz ela, fazendo um gesto de desdém com as mãos - Se fosse por mim, eu não teria nenhum tipo de contato com pessoas assim, mas infelizmente somos obrigados a conviver. Chato, né?

No momento que eu vou responder, o elevador chega. Mas, antes de entrar, eu falo:

- A senhora deveria ter vergonha de si mesmo. Pessoas com necessidades especiais merecem respeito como qualquer outra, ou até mais. Se coloque no lugar desse pai e pense se fosse a tua filha. Como à senhora iria reagir vendo alguém se referir a ela por mongoloide? – Ao ver a expressão de assustada dela, continuo. - Eu simplesmente tenho nojo de pessoas como a senhora: preconceituosa e imatura. Tem idade, mas não tem maturidade. – A porta do elevador abre e eu entro. Viro-me e olho para ela, com o rosto em chamas. - E faça-me o favor de nunca mais me referir a palavra. Tenha uma boa noite, se a sua consciência deixar.

As portas se fecham e ela não tem o direito à resposta. Dentro do elevador, fico pensando e chego à conclusão que revoltante mesmo é ter que conviver com pessoas preconceituosas assim. Vem-me à visão de Lily, tão linda e amorosa. Sorrio com isso, porém volto a fechar o rosto, lembrando-me da dona Filó. Não sei como ainda existem pessoas tão desprezíveis no mundo.

Em casa, tomo um banho e vou deitar-me. Mas antes de adormecer, penso em Lily. “Como a vida é injusta! Uma garotinha tão nova sem a mãe.” Lembro-me de agradecer a Deus pela minha família e começo a idealizar o pai da Lily. Ele deve ser alto, loiro, ter os olhos azuis, ser carismático, simpático, atencioso, amoroso, carinhoso e muito corajoso... Uh! Será que um dia eu irei conhecê-lo? Espero que sim! “Meu Deus, agora eu encasquetei com isso. Amanhã pergunto a Bruno no trabalho!” – mexo-me na cama, fecho os olhos e “desapareço” do mundo.

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